quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Escola Sociológica

Fernando Oliveira de Moraes *

A era dos Extremos: o breve século XX foi o nome dado pelo historiador Eric Hobsbawm para caracterizar o período que vai de 1914 a1991, um tempo marcado por grandes transformações na história da civilização humana. Entre outros fatos marcantes dessa época, podemos citar as duas grandes guerras e a explosão da bomba atômica que deixaram profundas feridas jamais cicatrizadas na humanidade.
Paralelamente e com estreitas relações com essas grandes catástrofes humanas, a evolução tecnológica em curso alterou profundamente o cotidiano das pessoas. O rádio, o cinema, a televisão alcançaram os contos mais remotos do planeta, trazendo para dentro dos lares novos padrões de comportamento e aproximando pessoas e diferentes culturas, transformando o mundo em uma imensa aldeia global.


Escola Sociológica Européia

O desenvolvimento tecnológico e dos meios de comunicação, especialmente a partir da segunda metade do breve século XX, para usar a expressão de Hobsbawm, trouxe profundas transformações no cotidiano, afinal a tecnologia atingiu os milhares de lares no mundo todo. Trouxe também mudanças no comportamento das famílias, do jovem, da mulher, da sociedade, enfim.
Captando essa mudança na sensibilidade das multidões, artistas como Andy Warhol e Roy Lichenstein, passam a retratar e expressar esse sentimento humano na forma de uma nova forma de arte. Warhol, oriundo da publicidade, passa a sacralizar personalidades do mundo moderno, como por exemplo, o então promissor jogador de futebol Pelé, a estrela de cinema Marilyn Monroe, a si próprio, e também objetos de consumo cotidiano como uma lata de sopa Campbells. Roy Lichenstein, por sua vez, transforma em arte histórias em quadrinhos. Ambos fazem grande sucesso com o que seria conhecida como a Pop-Art. Estávamos no início da conturbada década de 60.

Essas e outras expressões da Pop-Art seriam merecedoras de pesadas críticas se fossem analisadas pelos integrantes da Escola de Frankfurt, por apresentar um caráter banal e efêmero. No entanto, para um grupo de estudiosos europeus, a Pop-Art seria uma expressão crítica ao valor de culto atingido pelas artes clássicas. Ao sacralizar na forma de arte uma personalidade famosa como Marlyn Monroe ou uma história em quadrinhos, objetos da cultura de massa, Warhol e Lichenstein estariam também fazendo uma crítica à sociedade de consumo que tem o poder de transformar arte em mercadoria.
A análise desses produtos culturais de massa pelos teóricos europeus parte de um ponto de vista crítico porém não preconceituoso, situando-se no âmbito da antropologia cultural e da análise estrutural.

Podemos adiantar que uma cultura constitui um cor­po complexo de normas, símbolos, mitos e imagens que penetram o indivíduo em sua intimidade, estruturam os instintos, orientam as emoções. Esta penetração se efetua segundo trocas mentais de projeção e de identificação po­larizadas nos símbolos, mitos e imagens da cultura como nas personalidades míticas ou reais que encarnam os va­lores (os ancestrais, os heróis, os deuses). Uma cultura fornece pontos de apoio imaginários à vida prática, pontos de apoio práticos à vida imaginária; ela alimenta o ser semi-real, semi-imaginário, que cada um secreta no inte­rior de si (sua alma), o ser semi-real, semi-imaginário que cada um secreta no exterior de si e no qual se envolve (sua personalidade). (MORIN, 1962, p: 15)

Para criticar a cultura de massa é preciso conhecê-la a fundo, propõem os integrantes dessa Escola. Assim, será objeto de análise tanto as histórias em quadrinhos (Umberto Eco faz uma análise do personagem em quadrinhos Steve Canyon), quanto os conteúdos veiculados no cinema, no rádio, na televisão, na publicidade etc. A análise dos produtos culturais será feita tendo como ponto de partida o conteúdo desses objetos culturais:

Nem retirada solitária, nem ritos cerimoniais opõem a cultura de massa à vida quotidiana. Ela é consumida no decorrer das horas. Os valores artísticos não se diferen­ciam qualitativamente no seio do consumo corrente: os jukebox oferecem ao mesmo tempo Armstrong e Brenda Lee, Brassens e Dalida, as lengalengas e as melodias. En­contramos o mesmo ecletismo no rádio, na televisão e no cinema. Este universo não é governado, regulamentado pela polícia do gosto, a hierarquia do belo, a alfândega da crítica estética. As revistas, os jornais de crianças, os programas de rádio, e, salvo exceção, os filmes não são mais governados pela crítica "cultivada" do que o consu­mo dos legumes, detergentes ou máquinas de lavar. O produto cultural está estritamente determinado por seu caráter industrial de um lado, seu caráter de consumação diária de outro, sem poder emergir para a autonomia es­tética. Ele não é policiado, nem filtrado, nem estruturado pela Arte, valor supremo da cultura dos cultos. (MORIN, 1962, p.18)

Uma marca dos integrantes dessa corrente teórica é a crítica que fazem aos teóricos da Escola de Frankfurt (e também aos funcionalistas), a quem acusam de criticar a cultura de massa sem conhecê-la a fundo, ficando no âmbito da superestrutura.

Expoente da teoria da comunicação na Europa, Umberto Eco, em seu livro Apocalípticos e integrados (ver bibliografia), critica os teóricos "integrados" (funcionalistas) por passividade diante das questões relativas à cultura de massa e, principalmente, os "apocalípticos" (membros da Escola de Frankfurt) por seu pessimismo diante da sociedade de massa por negar a cultura de massa sem realmente analisá-la. Para Eco, ambos (integrados e apocalípticos) utilizam "conceitos-fetiche" (massa, indústria cultural) para tratar de maneira genérica um fenômeno complexo como a cultura de massa. (SANTOS, 1992: p. 17)

Outra crítica que a Escola Sociológica Européia fará é quanto ao sentimento arrogante dos intelectuais diante da cultura de massa, apesar de viverem dela. Morin dirá que os intelectuais têm uma visão valorizante da cultura e menosprezam outras culturas que não sejam a sua:

Os intelectuais atiram a cultura de massa nos infer­nos infraculturais. Uma atitude "humanista" deplora a invasão dos subprodutos culturais da indústria moderna, dos subprodutos industriais da cultura moderna. Uma ati­tude de direita tende a considerá-la como divertimento de ilotas, barbarismo plebeu. Foi a partir da vulgata marxista que se delineou uma crítica de "esquerda", que considera a cultura de massa como barbitúrico (o novo ópio do povo) ou mistificação deliberada (o capitalismo desvia as massas de seus verdadeiros problemas). Mas profunda­mente marxista é a crítica da nova alienação da civiliza­ção burguesa: na falsa cultura a alienação do homem não se restringe apenas ao trabalho, mas atinge o consumo e os lazeres. Eu tomarei a tratar desses temas, é claro, mas gostaria, primeiramente, de observar aqui que, por mais diferentes que sejam as origens dos desprezes humanistas, de direita e esquerda, a cultura de massa é considerada como mercadoria cultural ordinária, feia, ou, como se diz nos Estados Unidos: kitsch. Pondo entre parênteses qual­quer juízo de valor, podemos diagnosticar uma resistência global da "classe intelectual" ou "cultivada".

Não são os intelectuais que fazem essa cultura; os primeiros autores de filmes eram estrangeiros, os jornais se desenvolveram fora das esferas gloriosas da criação literária; rádio e televisão foram o refúgio dos jornalistas ou comediantes fracassados. É certo que progressivamente os intelectuais foram atraídos, chamados, para as salas de redação, os estúdios de rádio, os escritórios dos pro­dutores de filmes. Muitos encontraram aí uma profissão. Mas estes intelectuais são empregados pela indústria cul­tural. Só realizam por acaso, ou após lutas extenuantes, os projetos que trazem em si. Em casos extremos, o autor é separado de sua obra: esta não é mais sua obra. A cria­ção é esmagada pela produção: Stroheim, Welles, venci­dos, são rejeitados pelo sistema, uma vez que não se dobram. (MORIN, 1962, p. 17)

Na análise dos produtos culturais, Edgar Morin propõe o uso de dois métodos: autocrítico e o da totalidade. O primeiro diz que o pesquisador deve despir-se dos preconceitos na análise dos produtos da cultura de massa, acompanhando e apreciando o seu objeto de estudo.

O método autocrítico, desentulhando o moralismo altivo e a agressividade frustrada, e o anti-kitsch de­sembocam naturalmente no método da totalidade. De uma só vez, podemos evitar o sociologismo abstraio, burocrá­tico, do investigador interrompido em sua pesquisa, que se contenta em isolar este ou aquele setor, sem tentar descobrir o que une os setores uns aos outros.

É importante, também, que o observador participe do objeto de sua observação; é preciso, num certo sentido, apreciar o cinema, gostar de introduzir uma moeda num jukebox, divertir-se com caça-níqueis, acompanhar as par­tidas esportivas, no rádio, na televisão, cantarolar o último sucesso. Ë preciso ser um pouco da multidão, dos bailes, dos basbaques, dos jogos coletivos. É preciso conhecer esse mundo sem se sentir um estranho nele. É preciso gostar de flanar nos bulevares da cultura de massa. Talvez uma das tarefas do narodnik moderno, sempre preocupado "em atingir o povo", seja assistir Dalida. (MORIN, 1962, pP. 20 E 21)


Já o método da totalidade significa que é preciso encarar o fenômeno cultural em suas interdependências, incluindo o próprio pesquisador no sistema de relações.
Enfim, o método da totalidade deve ao mesmo tempo evitar o empirismo parcelado, que, isolando um campo da realidade, acaba por isolá-lo do real, e as grandes ideias abstratas que, como as vistas televisionadas de um satélite artificial, só mostram um amontoado de nuvens acima dos continentes. É preciso seguir a cultura de massa, no seu perpétuo movimento da técnica à alma humana da alma humana à técnica, lançadeira que percorre. todo o pro­cesso social. Mas ao mesmo tempo, é preciso concebê-la como um dos cruzamentos desse complexo de cultura, de civilizações e de história que nós chamamos de século XX. Não devemos expulsar de nosso estudo, mas sim centralizar, os problemas fundamentais da sociedade e do homem, pois elos dominam nossos propósitos. (MORIN, 1962: p. 21)


Os principais integrantes dessa corrente dos estudos da comunicação surgida na década de 60 século passado são Umberto Eco, Edgar Morin, Roland Barthes e Jean Baudrillard.


BIBILIOGRAFIA

ADORNO, Theodor W. Adorno. A indústria cultural. In: COHN, Gabriel (Org.). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Editora Nacional: 1978.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In: LIMA, Luiz Costa (Org.). Teoria da cultura de massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
COHN, Gabriel. Comunicação e Indústria Cultural. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
LOPES, Maria Immacolata Vassalo. Pesquisa em comunicação: formulação de um modelo metodológico. São Paulo: Loyola, 1994.
LIMA, luiz Costa. Teoria da Cultura de Massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
MATTELART, Armand e Michele. História das Teorias da Comunicação. São Paulo: Loyola, 1999.
MIÈGE, Bernard. O pensamento comunicacional. São Paulo, Vozes: 2000.
MORAES, Fernando Oliveira de. A Festa do Divino em Mogi das Cruzes: folclore e massificação na sociedade contemporânea. São Paulo, Annablume/FAPESP: 2003.
POLISTCHUK, Ilana & TRINTA, Aluízio Ramos. Teorias da comunicação: o pensamento e a prática da comunicação social. Rio de Janeiro: Campus, 2003.
SANTOS, Roberto Elísio dos. Introdução à teoria da comunicação. São Bernardo do Campo: EDIMS, 1992.
SOUSA, Mauro Wilton de (org.). Sujeito, o Lado Oculto do Receptor. São Paulo: Brasiliense, 1994.

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TURMA 2J

Esse foi o semestre vivido pela turma 2J de jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie (1º semestre de 2008).

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Carlos Eduardo Xavier

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Atendo pelo nome Carlos Eduardo Xavier. Nasci em Assis (SP) no dia 17/12/1987 e logo me mudei para Cerejeiras (RO), onde passei minha infância, melhor fase da minha vida. Novamente em Assis, termino a escola e o colegial. Vou morar na Itália, onde passo um ano convivendo com pessoas de mais de 100 nacionalidades. Em Loppiano (Firenze - Itália) é que aprendi a viver o que a vida sempre me ensinou. Assis pela terceira vez me recebe, mas por somente seis meses. De lá vou para a capital do estado, onde, agora, faço Jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie. MSN... cadu_gen@hotmail.com